Como identificamos hábitos que são prejudiciais a nós e começamos a praticar uma atitude de autocompaixão?
A Terapia Focada na Compaixão (TFC), proposta por Paul Gilbert , é uma terapia que integra conceitos do budismo, da psicologia evolucionista e das neurociências para compreensão do sofrimento humano. A Vergonha e autocriticismo são fatores que podem contribuir para manter problemas mentais. Vários estudos mostram que autocriticismo e vergonha aparecem como aspectos centrais em transtornos psicológicos, como: ansiedade, depressão, trauma, transtornos de personalidade, psicose e transtornos alimentares. Desenvolver compaixão é um fator que aparece associado a diminuição do sentimento de exclusão e diminuição do autocriticismo e vergonha.
O hábito de adotar uma atitude muita autocritica com nós mesmos esta associado a pior saúde mental. A autocompaixão pode ser vista como uma estratégia de regulação emocional extremamente útil, em que os sentimentos e pensamentos negativos não são evitados, mas sim encarados com uma consciência clara, cuidadosa, compreensiva e com um sentido de partilha comum da experiência de ser humano.
A Terapia Focada na Compaixão tem por objetivo ajudar as pessoas a acessar e estimular suas motivações, emoções e competências afiliativas, que podem ser parte da experiência do self compassivo. Isso inclui intervenções como o uso da respiração, postura, expressões faciais, tons de voz e outros exercícios. Procura desenvolver no trabalho terapêutico uma série de exercícios de cultivo da compaixão pelo treino atencional e prática de mindfulness, mentalização, cultivo da autoidentidade compassiva, uso de imagens mentais compassivas, escrita compassiva e o ato de realizar comportamentos compassivos regularmente. Essas intervenções são planejadas para estimular os sistemas de motivação, emoção e cognição que corroboram na compaixão, de forma que possam se tornar mais integradas ao senso de autoidentidade.
Qual o principal objetivo da Terapia da Compaixão? Ela é indicada para casos de ansiedade e depressão que cresceram muito com o isolamento social?
Sim a TFC tem aplicabilidade em casos depressão e ansiedade, principalmente atuando para flexibilizar a autocrítica exagerada, sentimento de vergonha e a forma como lidamos com nossas emoções. A ideia é fortalecer um sistema Interno de aconchego e acolhimento como forma de lidar com as emoções e desenvolver aceitação e autocompaixão em vez de autocrítica exagerada.
Qual a diferença entre autocrítica severa e autocorreção compassiva?
A autocrítica refere-se a uma forma de autojulgamento e autoavaliação negativos, que podem ser direcionados a diversos aspectos do self, como a aparência física, as emoções, os comportamentos, os pensamentos, a personalidade e os atributos intelectuais. Ao contrário da autocrítica, considera-se que a autocompaixão é uma resposta alternativa mais adaptativa à falha percebida. Na autocrítica severa funcionamos como nosso inimigo, nos agredimos e punimos diante de falhas, remoendo e cultivando sentimentos de raiva, arrependimento, culpa. Já na autocorreção compassiva procuramos compreender que é possível aprender com os erros, que faz parte da natureza humana errar e sofrer, é parte natural da vida. Com uma atitude de aceitação e acolhimento podemos caminhar aprendendo com os erros e situações adversas da vida.
Embora todos se auto-avaliem, as pessoas que experimentam níveis elevados de autocrítica severa geralmente adotam uma maneira dura, desdenhosa e hostil em relação a si mesmas, o que geralmente as deixa se sentindo impotentes, deprimidas e ansiosas Pesquisas sugerem que é a força das emoções negativas em relação a si mesmo e a inabilidade para lidar com essas emoções que deixam indivíduos altamente autocríticos suscetíveis ao desenvolvimento e manutenção de episódios depressivos
Vivemos em uma cultura no ocidente que ensinou os indivíduos por sistemas de punição e reforçamento. O entendimento da autocompaixão nos ajuda a mudar algumas crenças?
O contexto em que vivemos, nossa cultura influencia nosso modo de pensar, sentir e se comportar. Vivemos hoje em um mundo que predominantemente propaga valores ligados a individualidade e busca de sucesso, muitas vezes o ter é considerado mais Importante que o ser e a competitividade mais estimulada que a cooperação. Aparentar o tempo todo estar bem e dando conta de tudo, o que chamamos de cultura da produtividade e bem estar, muitas vezes contribui para padrões elevados de autocobrança e sentimentos de vergonha e humilhação diante de erros. Uma sociedade que pune o erro o associando a vergonha e humilhação sufoca o potencial criativo humano. Somos resultados de nossas aprendizagens e os erros E acertos parte importante de quem somos. Desenvolver comportamentos pro-sociais de empatia, cooperação, compaixão e autocompaixao pode nos ajudar flexibilizar valores, resgatando nossa humanidade comum e construindo uma sociedade mais solidária.
O que pode falar sobre a relação entre compaixão e as práticas de mindfulness?
Mais recentemente as definições de mindfulness passaram a incluir, além da atenção plena no momento presente, adotando uma postura não julgadora e uma mente aberta e curiosa que busca fluir com a realidade, também uma atitude de aceitação, bondade e compaixão. Algumas pesquisas apontam que a prática de mindfulness aumenta a compaixão e comportamentos pró-sociais . Duas práticas de meditação, descritas na literatura, com o foco em desenvolver afeto positivo, são a meditação compassiva e a meditação focada na bondade e amor, também chamada de treino em afeto positivo. Amor, bondade e compaixão são vistos como atributos de uma postura não julgadora, sem eles, julgamentos negativos podem interferir em manter um mente mindfulness. Na meditação compassiva o foco da atenção é direcionado a aumentar a consciência sobre o sofrimento de todos os seres vivos e no desejo em aliviar esse sofrimento. Esse tipo de meditação também pode incluir a autocompaixão, direcionando o foco de atenção para o self, buscando estar aberto ao próprio sofrimento, experimentando sentimentos de calor, cuidado e compreensão direcionados ao eu. Na meditação focada no amor e bondade o foco é em desenvolver o sentimento de amor e compaixão pelo bem estar do próximo. Busca desenvolver um estado emocional de bondade incondicional pelas pessoas, é útil para aumentar afeto positivo. Essas meditações ajudam a mudar a visão básica sobre o self na relação com outros e aumentar empatia e compaixão.
Exercício:
Pausa da compaixão descrita por Neff e Garner (2020).
Este exercício de pausa Compassiva oferece uma prática de compaixão rápida e eficiente que pode ser aplicado ao longo do dia quando nos deparamos com sofrimento. É um momento de pausa para nos apoiarmos e para nos cuidarmos. Adote uma posição confortável, libertando-se de quaisquer desconforto ou tensão desnecessária .
Convido-o a fechar os olhos total ou parcialmente como for mais confortável para si.
Agora pense numa situação difícil da sua vida que lhe provoque desconforto ou sofrimento. Pode ser um problema de saúde, numa relação, no trabalho. Por favor, escolha um problema de intensidade moderada e não um problema de intensidade grave ou avassalador.
Tente recuperar esta situação, esta memória e senti-la o mais vividamente possível. Agora, talvez possa dizer a si próprio:
1 - Este é um momento de sofrimento Este e um momento de mal-estar Talvez outras palavras ou outras frases lhe façam mais sentido. Isto dói Isto é difícil Isto é mesmo duro Observe o que ocorre quando repete estas frases para si. Pode repeti-las várias vezes: Este é um momento de sofrimento. Isto dói. E agora talvez possa dizer para si próprio.
2 - O sofrimento faz parte da vida. Todos sofremos. Não estou sozinho no meu sofrimento.. E agora , talvez colocando as mãos sobre o seu coração ou sobre outra parte do corpo que resulte tranquilizador, sentindo o toque gentil da sua mão, o calor que emana dela , talvez possa dizer.
3 - Que eu seja amável comigo. Que eu possa dar a mim mesmo o que preciso Isto é Auto-bondade . Uma maneira de me auto-cuidar, quando sofro.
Que eu me aceite como sou; Que eu possa aprender a aceitar-me como sou; Que eu possa perdoar-me; Que eu possa proteger-me; Que eu encontre paz; Se tiver dificuldade em encontrar as palavras certas, veja se consegue transmitir esta mesma mensagem a si próprio. Quando se sentir preparado, abra gentilmente os olhos.
Autora:
Profa. Maria Amélia Penido.
Professora do curso de Psicologia da PUC-Rio.
Doutora em Psicologia pela UFRJ.
Pós doutoranda em saúde mental pelo IPUB/UFRJ.
Ex Presidente da ATC-Rio.