Supressão emocional significa não expressar uma emoção ou disfarçar para não revelar a mesma. Pode acontecer de forma voluntária ou de uma forma mais automática, reativa. Em alguns contextos pode ser importante e até mesmo funcional não expressarmos o que sentimos e o que pensamos. Entretanto, quando acontece de forma frequente e intensa, torna-se algo disfuncional e costuma gerar grande sofrimento psíquico.
Dois estudos muito interessantes confirmaram os malefícios que a supressão emocional pode trazer à vida das pessoas. No primeiro, dois grupos assistiram 3 vídeos: parque com flores (agradável), amputação de um membro e tratamento de ferimentos de queimadura (desagradáveis). Após, um grupo foi incentivado a expressar o que sentia, enquanto que o outro foi orientado a esconder, disfarçar, omitir, o que sentiam. O grupo que suprimiu as emoções apresentou significativamente menos expressões faciais, aumento da frequência de piscar os olhos, menos movimento corporal, redução do batimento cardíaco, maior condutância da pele - indicativo de maior ativação do sistema nervoso simpático (Butler e cols., 2017).
Em outra pesquisa, um grupo de pessoas foi incentivado a falar sobre um assunto adverso qualquer que afetava suas vidas naquele momento. Em seguida, ainda emocionalmente ativados, recebiam a ordem para suprimirem as emoções - ficarem calados, disfarçarem ou mudarem de assunto. Diante da supressão emocional houve um pequeno, mas significativo, aumento da pressão arterial e houve uma maior ativação do sistema límbico no cérebro (Gross e Levenson, 1993).
Há muitos contextos nos quais, culturalmente, as pessoas podem ser incentivadas a não expressar os sentimentos desagradáveis. Homens, quando crianças, costumam não ser incentivados a expressar emoções e podem ter as mesmas invalidadas: “deixa de mimimi”, “homem não chora”,... Quando os clientes convivem com pessoas em ambientes com lideranças autocráticas ou onde há muita competitividade, como o meio corporativo, claramente são mais desestimulados a exporem qualquer vulnerabilidade.
Outras questões sociais costumam ser também determinantes. Por exemplo, em função do racismo estrutural nas Américas do Norte e do Sul, pessoas negras costumam sofrer mais intensamente com a supressão emocional, especialmente em ambientes mais frequentados por pessoas brancas.
Pessoas do grupo LGBTQIA + também percebem grande pressão para não expressarem ou disfarçarem o que sentem e pensam; dado que entendem que o que for revelado pode ser usado para causar danos aos mesmos.
Mulheres, por sua vez, quando trabalham em áreas predominantemente dominadas por homens, relatam que, em função de pré-conceitos, evitam revelar muito do que sentem e pensam.
Pessoas que ativam com frequência a supressão emocional podem apresentar um esquema de inibição emocional. Quando presente há uma inibição excessiva de ações, sentimentos ou comunicação espontâneos, normalmente para evitar a desaprovação dos outros ou evitar entrar em contato com sentimentos desagradáveis. Pode haver também a inibição de impulsos positivos (ex.: alegria, afeição, excitação sexual) e a dificuldade de expressar vulnerabilidade (Young e cols., 2008).
Quando o esquema desadaptativo de inibição emocional é ativado é possível presenciarmos 3 diferentes respostas de enfrentamento:
1) resignação - neste caso há uma entrega ao esquema. Um exemplo seria não expressar ou disfarçar emoções desagradáveis na interação com uma outra pessoa, mesmo que, racionalmente, o sujeito entenda que seria importante expressar para reduzir danos para si ou para a relação ao longo do tempo;
2) evitação: aqui o sujeito evita situações diante das quais poderia ativar seu esquema; poderia evitar encontrar com uma pessoa que entende que poderia estimular a falar o que sente, pensa, gostaria OU enfatizar excessivamente a racionalidade ao mesmo tempo desconsiderando as emoções;
3) Hipercompensação: neste contexto o indivíduo tenta de uma forma inadequada ir para o extremo oposto - romper com o esquema. Dois exemplos comuns seriam ter uma catarse com choro e expressão da raiva intensos OU usar de ironia e sarcasmo para expressar de uma forma inadequada as próprias emoções (Young e cols., 2008).
Antes se considerava que o esquema de inibição emocional aconteceria mais provavelmente em pessoas que vivenciaram no passado experiências que armazenaram na memória como sendo de supervigilância, inibição e cobrança excessiva. Entretanto, estudos recentes apontam que é mais significativo investigarmos condições de desconexão, rejeição e/ou de abuso no período da primeira infância (Bach e cols., 2017).
Importante entender e não confundir a supressão emocional com outras expressões que comumente encontramos em textos e livros de psicologia: a esquiva emocional e a esquiva experiencial.
Esquiva emocional acontece quando uma pessoa busca um alívio momentâneo de uma emoção desagradável, paralisando, alienando-se ou se envolvendo em uma atividade que gera prazer intenso, sem levar em consideração possíveis consequências que pode haver em médio e longo prazo. Leahy (2007) nos traz que ativação da esquiva emocional costuma acontecer mais frequentemente quando o indivíduo se depara com uma preocupação que pode ser improdutiva. Ocorre mais frequentemente com pessoas que apresentam menor capacidade de controle dos impulsos. Após “sedar” momentaneamente o cérebro com a liberação de neurotransmissores como serotonina e dopamina, o sujeito irá, inevitavelmente se deparar com o mesmo problema e talvez com outros - gerados pelas compulsões ou pela frequente “ausência mental”.
A esquiva experiencial, por sua vez, é um conceito mais amplo e muito explorado pelos teóricos que trabalham com a Terapia de Aceitação e Compromisso. O indivíduo reduz seu repertório comportamental: evita lidar com eventos aversivos internos (pensamentos e emoções indesejáveis) de forma frequente e disfuncional. Trata-se de um processo de inflexibilidade psicológica que envolve também a supressão emocional (Luoma e cols, 2021) . Hayes enfatiza que, quando nos deparamos com um contexto de esquiva experiencial, é essencial incentivar reflexões e práticas que favoreçam a aceitação, o mindfulness, a flexibilidade cognitiva e escolhas por ações mais compatíveis aos valores e às expectativas futuras do cliente.
Voltando à supressão emocional, duas excelentes metáforas para trazermos para a sessão são: a represa e a prancha.
1) Uma represa, em alguns momentos, pode acumular grande volume de água. Isto gerará enorme pressão. Caso as comportas não sejam abertas para reduzir esta pressão, a represa pode ser partir, causando grande estrago.
2) Já tentou afundar uma prancha de isopor dentro da água no mar ou em uma piscina? O que acontece se sustentarmos a força direcionando a prancha para baixo? Chega um determinado momento em que nos cansamos e inevitavelmente a prancha sobe com força.
Quer dicas de filmes e seriados para explorar nas sessões de terapia a questão da supressão emocional?
O seriado canadense “Entendeu ou precisa desenhar?” traz duas personagens interessantes que são o extremo oposto quando se trata de supressão emocional: Ada é extremamente impulsiva e expressa de forma até agressiva quase tudo o que sente e pensa; já sua amiga Carol guarda intensamente consigo diversas emoções desagradáveis.
Outra obra interessante para refletir sobre a supressão emocional é o filme “As vantagens de ser invisível” - um jovem adolescente introvertido chega a uma nova cidade e tem muita dificuldade para vivenciar experiências emocionais com maior abertura e aceitação.
A supressão emocional imposta por questões sociais, raciais e políticas é possível ver no filme “Estrelas além do tempo”. Neste drama biográfico, três mulheres negras precisam lidar com a intensa cisão racial no ambiente de trabalho e no bairro onde moram.
Já aspectos culturais e religiosos que podem gerar grande sofrimento psíquico em função da supressão emocional podemos ver na minissérie “Nada ortodoxa”. Baseado em um livro de mesmo nome, em Nada ortodoxa acompanhamos a história real da jovem judia Esther em sua tentativa de romper com uma comunidade ultraortodoxa.
Referências:
Bach B; Lockwood G; Young J. (2017). A new look at the schema therapy model: organization and role of early maladaptive schemas. Cognitive Behavior Therapy, 47(4): 328-349.
Butler, E.; Lee, T.; Gross, J. (2007). Emotion regulation and culture: are the social consequences of emotion supression culture-specific?
Gross, J.. Levenson, R. (1993). Emotional suppression: physiology, self-report, and expressive behavior.
Leahy, R. (2007). Como lidar com as preocupações: sete passos para impedir que elas paralisem você. Porto Alegre: Artmed.
Luoma, J.; Hayes, S.; Walser, R. (2021). Aprendendo ACT: manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas. Novo Hamburgo: Sinopsys.
Yong, J.; Klosko, J.; Weishaar, M. (2008). Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed.
Texto elaborado por: Rafael Thomaz
Doutor em saúde mental pelo IPUB/UFRJ
Terapeta cognitivo-comportamental, professor e pesquisador